quarta-feira, 23 de novembro de 2011

De volta a África

Johanesburg, 15 de novembro de 2011.
 
São 5 da manhã e o fuso horário me pegou de jeito desta vez...
 
Menos de 4 meses atrás eu estava dando adeus a este continente e cá estou eu outra vez... respirando ar puramente africano com mil pensamentos e sentimentos rondando meu coração....
 
Chegar aqui de novo e encarar o q vem pela frente me fez chorar...
 
Chorar pelo novo e desconhecido q tem se descortinado aos poucos... Mas acima de tudo chorei pelas responsabilidades impostas ao estar numa jornada rumo ao outro... a servir ao outro... a mobilizar pessoas a saírem de suas zonas de conforto e atender o chamado de viver uma nova proposta de vida e ideais...
 
 
Ler suas palavras sempre me emocionam... Ela é somali, ex-muçulmana e hoje atéia. Rompeu com suas crenças e fugiu de um casamento imposto pelo seu pai. Hoje vive nos Estados Unidos lutando contra todas as formas de violência contra a mulher, por direitos e igualdades, pela não opressão religiosa... luta pela liberdade...
 
E o que mais me alegrou é q ela cita a comunidade das igrejas cristãs como uma das instituições que hoje concorrem contra a luta santa dos muçulmanos, tentando ganhar seus corações e mentes para uma nova concepção de vida...
 
“ Tive o prazer de conhecer cristãos cuja concepção de Deus difere muito do que os muçulmanos têm de Alá. São membros de uma cristandade reformada e parcialmente secularizada que seria uma aliada útil na luta contra o fanatismo islâmico. Esse Deus cristão moderno é sinônimo de amor. Seus agentes não pregam o ódio, a intolerância e a discórdia; esse Deus é misericordioso, não almeja o poder temporal e não concorre com a ciência.”
 
E foi aí q me dei conta que estou hoje de volta à África, dentro de treinamentos e debates com um único propósito: continuar lutando pela salvação em Jesus e para uma nova vida para as mulheres muçulmanas pelo mundo a fora...
 
Estou aqui pelas Zainas, pelas Zuras, Sifas, Saras, Ágatas, Fátimas, Manadjumas...  Estou aqui porque acredito que o meu Deus é esse Deus de amor que ama as mulheres muçulmanas. Que tem uma nova opção de vida para elas, que pode proporcionar esperança, paz, qualidade de vida... que pode trazer conforto, afeto e restaurar seus sonhos...
 
É porque Ele me amou primeiro que eu amo essas mulheres q ainda nem conheço... é porque ele me salvou dos meus delitos e pecados, restaurou meus sonhos e me trouxe uma qualidade de vida excelente em sua presença, me dando paz e esperança, q eu continuarei nessa empreitada de passos rumo a proclamação do amor de Jesus a mulheres muçulmanas... seja onde for...
 
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Minha única razão

Marília, 21 de setembro de 2011.
Colocar as informações de dois anos vividos em África num compêndio de ideias a serem transmitidas para um público que a maioria das vezes eu não possuo intimidade de fato, tem sido um desafio...
Estampar as fotos das minhas amigas, de famílias que considero como minhas, contar suas histórias, rever rostos que são tão familiares, sentir cheiros, gostos, reviver um estado de espírito, humor, lembrar da textura do chão, dos lenços, das crianças me chamando pela rua... Dos desafios de ministério, da luta espiritual sempre presente, dos objetivos, das vontades, das saudades, da expectativa de um retorno, do medo do adeus...
Organizar minhas viagens por entre as igrejas que são minhas parceiras e outras que tem me convidado, tem sido um exercício de fé interessante...
De que eu não paute minha vida num ministério vivido, numa decisão tomada há dois anos atrás, mas sim, pautada na decisão diária de amá-Lo em primeiro lugar e fazer a Sua vontade, descansando na paz que excede e na alegria sempre renovada em Sua presença...
Reviver as fotos, fatos e tudo o que eles englobam, fez com que eu ligasse pra Moçambique tamanha a falta e saudade...
Liguei para minhas amigas: Ágata, Zaína e Zura...  Ficamos eufóricas, nos abastecemos com as últimas novidades, com carinhos, com palavras de saudade, de cumprimentos a todos, e é claro, falei em kimwani, pois elas me alertaram q eu não posso me esquecer a língua!
Viver o aqui depois do vivido lá, tem sido extremamente interessante...  e que as palavras de Paulo sempre ecoem em meu espírito:
“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus.”   2 Coríntios 4:5
Que a proclamação do amor de Jesus continue sendo a única razão na minha caminhada cristã e missionária...

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A casa da tia Samara

Estrada de Jundiaí rumo a Marília, 19 de agosto de 2011.




Na casa da minha vó eu tinha um lugar preferido: o quarto da minha tia Samara.

Era um quarto com a cara dela, estilo dela, com quadros, discos, dizeres, roupas, tudo, tudo com a cara dela estampada em cada particularidade....

Foi ali que chorei com música orquestrada e clássica, e também onde aprendi a apreciar música popular brasileira: Chico Buarque, Sá e Guarabira, Gilberto Gil, 14 Bis, Flávio Venturini...

Foi ali que incorporei um estilo básico e confortável de se vestir, sentada na sua cama só observando-a se trocar pra ir trabalhar no Sudameris ou ir para a faculdade... Ela secava o cabelo, se maquiava e sempre ficava linda.

Foi abrindo as suas gavetas, mexendo nos seus segredos, provando os seus sapatos, vendo a inventar pratos inusitados na cozinha, ouvindo suas ideias e pensamentos sempre tão interessantes e profundos q fui me tornando a Ana Elisa que sou hoje...

Foi ela que me ensinou que somos lindas mesmo sendo baixinhas e morenas...

Foi com ela que aprendi a pensar no coletivo, a pensar mais no outro, a dar valor a pessoas não pela sua aparência e sim pelo q são....

Foi observando-a a sempre dar carona pra todo mundo no seu corcel azul, a tratar com respeito e carinho àqueles que tinham poucos amigos na igreja, a valorizar a educação infantil, a se dedicar sem ressalvas a diferentes ministérios e atividades...

Foi sendo levada quando criança pra cima e pra baixo em todo lugar q ela ia e ganhando livros de presente que hoje estou mais preparada pra ser tia...   

Minha tia me ensinou a amar o próximo, me ensinou a amar a Jesus, me ensinou a valorizar a família, me ensinou que podemos fazer diferença nesse mundo, que podemos querer mais de nós mesmos... e sempre com uma franqueza e docilidade que são próprios da tia Samara...  

Sua influência foi tamanha que segui seus passos acadêmicos e até hoje fico feliz da vida quando me dizem: “mas é a cara da Samara mesmo!”

Seu quarto hoje tomou proporções maiores e se tornou em uma casa linda, cheia de vida, de saberes sem fim: cristãos, mitológicos, sociológicos, antropológicos, pedagógicos, culinários, musicais... e é ainda na sua casa que vez ou outra me sento pra aprender e absorver suas opiniões e ideias que tanto me ajudam a prosseguir para o alvo...

Obrigada tia Samara... 
Te amo e amo ser sua sobrinha...

Bjos

Ana Elisa

domingo, 14 de agosto de 2011

De volta pra casa


Marília, 14 de agosto de 2011.

 

Aterrisei, cheguei, pisei em solo brasileiro e melhor que isso, em solo mariliense... dei início ao processo de “reentrada” a um novo estilo de vida, nova cultura, novas pessoas para interagir e conviver....voltei pra casa...

Abracei meus familiares e amigos com a sensação que tínhamos nos visto na semana passada. O convívio divertido diário com a minha sobrinha, conversas com meu irmão que me coloca a par do mundo com sua perspectiva tão inteligente e interessante, abraços de pessoas que nunca havia visto antes, mas que tem me abençoado tanto... Tudo, tudo... tem sido tão intenso e tão bom...

Esse processo de reconstrução de mim mesma tem sido interessante e por vezes dolorido, pois redefinir o que vc é aliado ao que vc pensa que é ou ao que vc pensa q se tornou depois de 2 anos de experiência transcultural não é simples.... Vc espera muito de si mesma, os outros esperam muito de vc e a verdade é que vc não sabe como agir nessa roda gigante e profunda de expectativas.

Comer e jogar o resto de comida sem pensar nos meus vizinhos em Mocimboa é impossível, comprar uma roupa nova e não pensar nas minhas amigas moçambicanas é impossível, desfrutar de toda fartura e conforto sem pensar na falta de qualidade de vida que vivíamos em Mocimboa é impossível. E o que fazer? Como devo agir, pensar? Como devo me expressar?

A resposta que encontro nisso tudo é que minha vida em Mocimboa e minha família que deixei por lá devem ser lembrados por mim diariamente em minhas orações, suas dificuldades e luta espiritual devem impulsionar minha fala Brasil afora desafiando outros a se entregar para a obra missionária, é guardar na mente e coração todos os aprendizados e riqueza adquiridos, fazendo com que esse passado tão próximo continue a impulsionar meu coração para a obra missionária em tudo o que eu fizer num futuro que já chegou.... pois meu ministério não acabou, está tendo apenas um novo recomeço...

A Ana que eu fui, que penso ser depois de Mocimboa e a Ana que eu busco ser daqui pra frente deve ter em mente mais uma vez que Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. Devo confiar, crer e esperar Nele, tendo a paz como árbitro de todas as decisões e caminhos percorridos, pois: “Tu, Senhor, conservarás em perfeita paz aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em ti.” Isaías 26:3.

A minha oração é que Deus perdoe os meus pecados, me refaça a cada dia e me molde conforme a vontade Dele para o serviço do Reino e glória do seu nome.

É muito bom estar de volta!!!

Bjos a todos...

Ana



quinta-feira, 21 de julho de 2011

A última imagem de um grande aprendizado...

Pemba, 21 de julho de 2011.

Essa é a nossa última semana como Time Mocimboa da Praia. Nosso termo e comprometimento como Time trabalhando em Mocimboa chegou ao fim...
Mas o que não chegou ao fim é o sentimento de família que tivemos nesses dois anos. Cada membro do nosso Time, composto por 5 diferentes continentes, teve sua parcela importante como membro dessa família, como missionários em Mocimboa, como irmãos compartilhando o pão, as lágrimas, as alegrias, as saudades, as frustrações, as vitórias...

A nossa união, nosso respeito mútuo, nosso sentimento de solidariedade um pelos outros foi coisa rara a ser compartilhada. Não houve um só momento em que a desunião imperou. Não houve problemas a serem resolvidos e coisas a serem tratadas... Deus realmente foi fiel, bom, misericordioso e amoroso em nos proporcionar tamanha afinidade.

Não teríamos sobrevivido sem as piadas e coração de servo do nosso líder Steve, sem o coração sempre aberto a servir e amar da nossa líder Sharon, sem o talento musical do Mark, sem a sabedoria do Patrick, sem as risadas e conselhos da Mama Aby, sem o senso de organização da Jennifer, sem o perfeccionismo da Margaret, sem a criatividade da Bron, sem o senso crítico e sempre pontual do Tim... e ainda, não teríamos sobrevivido sem os sorrisos e todas as alegrias que o Micah, Krista, Josiah, Katie, Aby e James trouxeram para os nossos dias...

Foi uma honra, um privilégio, uma alegria e um aprendizado constante ter compartilhado minha vida e ministério com o Time Mocimboa da Praia. Hoje tenho família e casas sempre abertas para mim em diferentes continentes, e a minha casa, aonde eu estiver nesse mundo, também será a casa deles...
Amo cada um de vcs e louvo a Deus por ter nos unido como família...
Bjos
Ana

Ps: Essa é a nossa última foto como Time, tirada no dia 21 de julho de 2011.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Paz, alegria e esperança: dando tchau pra Mocímboa

Pemba, 18 de julho de 2011.





Sala vazia, quarto vazio, cozinha vazia... A cada palavra minha e da Jen na casa, soava um eco estranho de tristeza e de felicidade... Nas conversas já não sabíamos como nos referir: estamos deixando a “nossa casa” pra voltar pra “nossa casa”...
O chão estava forrado de cestas com presentes: roupas, toalhas, cortinas, utensílios de cozinha, tudo para oferecer as nossos vizinhos. Sem contar os móveis sendo carregados pela rua...

 
Nossas vizinhas e amigas nos ajudaram a limpar a casa antes de entregarmos a chaves: se ajoelharam e lavaram o nosso chão com panos e vassouras, as crianças se juntaram pra tirar as teias de aranha enroscadas no teto, as meninas limpando as nossas janelas...

As crianças choraram e esconderam os rostinhos em suas capulanas, pois é claro, chorar nessa cultura é quase um pecado. A casa se encheu de visitas e pessoas que foram nossa família por 2 anos... E às 7 da manhã Zaína, Zura, Sifa e Sara estavam no portão, esperando pra carregar minhas malas e darmos o nosso último tchau... Uma emoção sem fim... Minha mala está cheia de presentes, de lembranças e o coração cheio de memórias e histórias q marcaram pra sempre minha vida...



Fechar essa etapa, dar um passo a frente rumo ao futuro que se inicia fora da África, dar abraços, beijos, chorar, rir, lembrar de coisas engraçadas, do que melhorou, do que piorou, relembrar dos primeiros dias na terra dos coqueiros e casas de barro, sentindo na boca o gosto dos últimos dias...

Fazer um balanço do que este tempo significou na minha vida pode ser traduzido em três palavras: paz, alegria e esperança.


Paz em saber que eu deixei tudo o que era conhecido rumo ao desconhecido porque a paz que excede todo o entendimento sempre imperou apesar do medo, da ansiedade, do pânico, da distância e das muitas saudades...
Alegria em se descobrir exatamente no centro da vontade de Deus, de amadurecer e sobreviver sem o aconchego de pais amorosos e protetores, e alegria de se sentir em casa, mesmo longe de casa...

E esperança trazida pela certeza de que “Dele, por ele e para Ele são todas as coisas...”. Não algumas coisas, mas todas as coisas. Não algumas áreas do nosso coração e alma, mas todas as áreas, tudo... E não há melhor descanso do que descansar na esperança que a sua graça nos traz.


quinta-feira, 30 de junho de 2011

Crianças esquecidas numa aldeia africana

Espungabera, 26 de junho de 2011.



Eu não sabia o que me esperava, só sabia que era longe... muito longe... Espungabera era conhecido a mim somente pelos relatos da minha amiga missionária Cecília.



A terra foi ficando cada vez mais vermelha a cada quilômetro trilhado. A serra começou a aparecer de forma íngreme até chegarmos ao topo de uma linda montanha. Mas o tempo no conforto desta terra vermelha foi curto. Logo já começamos a nos preparar para passar 5 dias na aldeia de Macumba, totalmente isolada no mato a uma hora e meia de Espungabera.



A mata era fechada e a Land Rover em que estávamos ia abrindo caminho pelas clareiras... eu só conseguia pensar: “Se eu tiver que sair correndo, para onde eu corro?” Não havia para onde correr....



Montamos nossa barraca atrás da Igreja e logo dezenas de crianças começaram a aparecer, com seus olhinhos atentos, curiosos, sedentos, famintos, espertos... Participei com a missionária Didi, Cecília e um jovem moçambicano chamado Manguiza de um treinamento sobre como ensinar crianças na Escola Dominical....



Com pensamentos inocentes e despreparados, me deparei com uma realidade espiritual totalmente escura e sombria. Não sabia que aquela região é centro de muitas reuniões e treinamento de feiticeiros e curandeiros de toda a África...



Um dia, estávamos sentadas em volta da nossa barraca e uma menina chamada Itipo, de apenas 5 anos de idade, ficou possessa de espíritos malignos. Ela estava sentada no chão e sua coluna ia pra frente e pra trás, quase arrastando seu rostinho na terra. Suas mãozinhas ficaram duras e ela não tinha nenhuma expressão em seu olhar. Sua irmã Helena, que estava ao seu lado, fazia carinho em suas costas o tempo todo. Depois de orarmos por ela, ainda demorou muito para que ela conseguisse nos olhar nos olhos, a sorrir... Eu não sabia o que pensar... nem sabia como agir...



Tomar banho no mato, usar o banheiro no mato, apesar de extremamente desconfortante não se comparava ao peso e ao desconforto de conviver tão de perto com pessoas sobrevivendo em meio a uma pobreza generalizada. As crianças estavam muito sujas, cheirando mal, o frio era cortante e elas não tinham nenhuma roupa apropriada ou calçado pra se protegerem do clima gelado. Elas se amontoavam na fogueira à noite e logo ao amanhecer...



O grau de pobreza que encontrei em Macumba foi terrível. A pobreza espiritual, a lacuna de amor, esperança, paz, a carência em todas as expressões daquelas mães, crianças, pais e famílias fizeram com que o nosso coração se cansasse de tamanha disparidade... Assim, além de treinarmos pessoas para o ensino bíblico infantil, contamos histórias bíblicas para as crianças, cortamos suas unhas, visitamos, fomos buscar água, brincamos, pintamos seus rostinhos e é claro, também fomos pintadas... E o mais impressionante, conheci a Essináti, uma menina de 9 anos que lê perfeitamente o português e que nos pediu uma Bíblia pra ler... uma emoção sem medida...  



Mas Glórias a Deus pelo seu filho Jesus, pelo seu amor e misericórdia por nós e pelo povo de Macumba. Sua luz brilhou naquele lugar e continuará a brilhar através daquelas crianças... Deixamos aquela aldeia felizes pelo trabalho realizado, pelo amor demonstrado e pelo aprendizado com um povo sofrido, mas que tem aprendido a conhecer  e a temer a Deus...

 

Passar esses dias longe da minha terra em Mocimboa da Praia tem marcado a minha vida de forma impressionante... tenho conhecido um outro Moçambique... e a idéia da despedida tem ficado cada dia mais dolorosa...







domingo, 5 de junho de 2011

Um dia no mar

Mocimboa da Praia, 03 de junho de 2011.
 
 
A pesca é parte da cultura mwani, pois a própria palavra mwani quer dizer “mar” ou aquele que vive perto do mar. Assim, ser mwani é ter o mar como fonte de renda, sustento financeiro, alimentício, de lazer... E na tentativa de experimentar e fazer parte de diversos fatores dessa cultura, não podia deixar de ir à pesca.
 
Eram umas 8:30 da manhã do dia 17 de maio quando nos armamos dos utensílios básicos e fomos em direção ao mar: uma bacia, uma panela sem tampa, um cesto de vime e a rede de pesca (feita de “rede de mosquiteiro”).
 
A primeira etapa foi pescar uma espécie de peixes pequenos e camarões minúsculos, que mais pareciam uma massa de peixe para serem usados como isca. Elas foram coletando essa “massa de peixe” e colocando em suas panelas (sustentadas na suas cabeças).

sábado, 21 de maio de 2011

Educação


Mocimboa da Praia, 21 de maio de 2011.


Os dias do ano de 2011 têm sido marcados pra mim com o tema EDUCAÇÃO...

Tenho refletido e me surpreendido como este tema, aliado ao evangelho de paz e libertação de Jesus, pode surtir efeitos maravilhosos na vida das pessoas... Tenho desafiado conceitos errôneos de que algumas pessoas não podem aprender. Sim, todos podem aprender, quando são ensinados com respeito, préstimo e amor!!!

Desenvolvi com a ajuda de alguns colegas de Time um manual chamado “Vivendo uma Vida Melhor”, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das mulheres moçambicanas, através da informação de temas como a prevenção à violência, saúde, nutrição, educação de filhos, educação escolar... Muitas reuniões e seminários têm sido desenvolvidos usando este material...
Já capacitei mulheres da comunidade, ativistas de um programa de prevenção HIV/SIDA do Hospital, jovens do programa “Desafio Jovens” de Moçambique, e é claro, as mulheres das igrejas de Mocimboa...

Por mais que eu tente expressar a minha alegria e contentamento, e mais que isso, agradecimento, eu não conseguiria.... Sou grata a Deus por usar meus dons, personalidade, paixão e conhecimentos adquiridos no Brasil aqui na África...

Em alguns encontros me vi rodeada de jovens e mulheres discutindo conceitos de gênero, violência, educação e através desses conceitos, descobrindo que é possível sonhar e desejar com uma vida melhor e de melhor qualidade.

Já em outros encontros como o de hoje, onde ensinei mulheres com um menor nível educacional e de idades mais avançadas, a conversa foi outra.... Me dei conta de como é complexo levantar debates sobre casamento, fidelidade, violências diversas, quando estes estão arraigados a costumes e tradições culturais tão diversos da minha.

Fiquei sem chão quando uma das mulheres mais velhas sentadas no meu quintal, disse que eu estava ensinando tudo isso pq era estrangeira e pq não era casada com um homem moçambicano. Minha resposta foi que eu não sabia mesmo, mas que toda mulher deve aprender a conhecer e reconhecer o seu verdadeiro valor seja em que sociedade for.

Que sim, casamentos e relacionamentos inseridos em desrespeito e violências, podem mudar quando uma das partes começa a refletir sobre o problema e buscar soluções para eles. Que os homens continuarão tendo mil e uma namoradas fora do casamento enquanto as mulheres continuarem a aceitar ninharias por favores sexuais...

Depois do encontro foi impossível não conter as lágrimas por ver que essas mulheres que eu tanto aprendi a amar, estão com suas mentes e corações imersas em tristeza, traições, ciúmes, invejas, violências de todo o tipo, e o que é pior, numa inércia indescritível. Só pude orar e pedir a Deus que as sementes de esperança plantadas nessa manhã, possam um dia frutificar.

Assim, Deus tem me surpreendido a cada dia, seja nos dias alegres, seja nos tristes, pois em todo o momento Ele tem se revelado um Deus de amor no sentido de me usar e me capacitar para fazer o que gosto, o que amo e o que sinto paixão, e converter tudo isso pra louvor e glória do seu nome...


Tão diferentes, e tão iguais nas angústias, sonhos, anseios...














terça-feira, 10 de maio de 2011

Matacando...


Mocimboa da Praia, 10 de maio de 2011.


Ter a casa própria é o sonho de muitas pessoas por esse mundo afora... E é claro, não poderia ser diferente na Vila de Mocimboa da Praia.

Assim hoje vou apresentar a vocês uma típica casa do norte de Moçambique.

A estrutura é feita de bambu e estes são amarrados com filetes de borracha de pneus. Para quem tem um poder aquisitivo melhor, pedras são introduzidas nas estruturas e seladas com matópe (barro). Quem não tem dinheiro, preenche toda a estrutura somente com o barro. Da mesma maneira a casa pode ser coberta com makuti (um tipo de palha de coqueiro) ou com chapas de zinco. Depois a casa é rebocada com mais barro e depois com cimento, é claro, se houver dinheiro para o cimento. Minha casa é feita da mesma estrutura...


Hoje minhas mãos estão secas de mexer no barro, de fazer bolinhas e mais bolinhas de barro pra preencher a casa da minha amiga...

Minhas mãos estão secas e tingidas de barro vermelho, pois eu estava a “matacar”(que é o verbo usado para preencher as estruturas de bambu na construção da casa com barro)...

Já ajudei a matacar duas casas e não consigo descrever a emoção de me ver ajudando minhas amigas a realizarem seu sonho de possuírem seu chão, seu teto, suas paredes de barro, e que custam muito para serem adquiridas...

São experiências como estas e inserção em afazeres como estes, que o missionário vai construindo não só casas, mas relacionamentos, confiança, préstimo, amizade, amor e por que não laços familiares...

Fazer parte na construção destas casas significou muito mais para mim do que para elas...

A minha oração é que elas sintam o amor de Jesus através de todas as minhas “matacadas”...



sábado, 9 de abril de 2011

Ele me basta

Pemba, 09 de abril de 2011.

Daqui a 14 dias farei 30 anos...
Entrarei na casa dos 30 feliz comigo mesmo...
Realizada profissionalmente e ministerialmente...
Sem a barriga de tanquinho tão sonhada... mas com a alma leve e em paz...


Hoje, cantarolando uma das minhas músicas preferidas “Eu quis dizer, você não quis escutar. Agora não peça, não me faça promessas. Eu não quero te ver, nem quero acreditar, que vai ser diferente que tudo mudou. Você diz não saber o que houve de errado e o meu erro foi crer, que estar ao seu lado... bastaria...”

Quando cantei essa última parte me dei conta de quantas vezes acreditei nesta frase... De quantas vezes coloquei todo o peso da responsabilidade em outra pessoa para que esta me bastasse em tantos sentidos...

E hoje, quase aos 30 anos, solteira, longe de casa e dos meus conterrâneos, posso dizer que encontrei aquilo que me basta...

Só Jesus me basta...

E posso visualizar a cara de perplexidade de muitos ao ler esta última frase... e não os culpo. Pois, sim, esta frase é muito subjetiva... Mas não para mim. Hoje ela é real. Hoje a pessoa de Jesus é real para mim...

“Antes, eu o conhecia só de ouvir falar, mas agora, meus olhos te vêem”.

Esta fala se tornou real na vida de Jó quando ele perdeu tudo, mas ganhou a paz....
Essa frase se tornou real pra mim quando entreguei os pontos de tentar viver essa vida pelas minhas próprias decisões e achismos... quando me rendi a um amor que completa, que sara, que vivifica, que restaura, que acolhe, que nos impulsiona a sermos nós mesmos, debaixo de suas asas de graça e misericórdia...
Que tomei a coragem de negar tudo... companhias, namoros, família... quando tomei minha cruz e o segui...
Foi nesta jornada rumo a servir ao outro que recebi o banquete de me encontrar feliz e em paz comigo mesma... de me amar como sou... “pois ele me amou primeiro”.

Não arregalem os seus olhos ao pensar que minha salvação foi ganha na África... Não...

Eu aceitei a Jesus na minha infância e ele tem sido meu companheiro por toda a vida... Mas infelizmente em muitas situações ele foi apenas um ator coadjuvante das minhas aventuras insensatas...
Hoje é Ele quem dirige, hoje é Ele quem comanda... Não sem respeitar tudo o que sou, pois como Ele é educado!! Amoroso, respeitador... Não impõe, mas sempre me dá a chance de escolher... e hoje e pra sempre... escolherei por Ele...

Fazer 30 anos com esta perspectiva de vida é o melhor presente que poderia ganhar...

E não posso deixar de compartilhar com vocês uma música que foi uma surpresa pro meu coração... espero que seja pra vcs tb...

Bjos

Ana


 
“Eu vou poder amar de novo como antes
E celebrar a recompensa dos amantes
Tomar no colo os meus filhos sem receio
Voltar a ser de minha casa a dor no esteio
Quero correr feito menina entre as parreiras
E me deixar levar nas velhas corredeiras
Quero esquecer os 12 anos e os tormentos
E que gastei inutilmente os meus proventos
Sinto chegar uma alegria sem medida
Sinto que agora vou saber o que é vida
Serei curada de maneira inconteste
Se eu com fé tocar na orla de suas vestes.”
(Carol Gualberto)






quinta-feira, 24 de março de 2011

Compaixão

Mocimboa da Praia, 22 de março de 2011.
 
 
Ela veio até minha casa... veio me pedir que guardasse um segredo... veio me contar que estava com AIDS... É por isso que vcs não saberão seu nome...
Mas saberão o que já é comum a mim: tenho mais uma amiga que tem essa doença terrível... Ela disse que não queria tratamento e que se ela morresse, era vontade de Deus.
Três meses se passaram e ela me escreveu uma linda carta, me pedindo enfim, ajuda para fazer o bendito tratamento...
“Você mana por favor ajuda... Mana, hei de morrer agora...”
E hoje, um mês depois de sua carta, passei o dia todo no hospital na companhia de uma amiga doente, desfalecida, com os olhos vidrados de dor, com a pele queimando em febre, cortada com gilete, pois foi no curandeiro... Assim que o enfermeiro a perguntou se os cortes eram provenientes do curandeiro e ela olhou pra mim e disse: “Mana, não zangar comigo, eu estava a tentar...”
Um corpo suado, mal amado, que leva as marcas de uma vida sem Jesus...
Hoje minhas lágrimas começaram a rolar antes mesmo de chegar ao hospital... lágrimas pela exaustão emocional a que sou entregue todos os dias.... Exaustão física pelas andanças e tentativas, muitas vezes frustradas, de ajudar aqueles que não tem voz...
Essa exaustão é difícil de ser compartilhada, é difícil de ser compreendida, é difícil de ser acreditada...
É por isso que muitos missionários estão a sofrer pelos campos nesse mundo de nosso Deus... pois só o sente... só o sabe... quem já o viveu...
Estou hoje expondo a minha exaustão, a minha tristeza, a minha angustia e descontentamento com uma vida injusta, com um mundo injusto...
Sentada na minha cama, sentindo o perfume do meu sabonete Dove (que é um alento para a minha alma e meu corpo), só consigo pensar que esse mundo não é justo!!!
Minha amiga está lá dividindo uma mísera cama de hospital com outra mulher por falta de leitos, num lugar sujo, calorento, fedorento... e eu aqui, sem ter mais o que fazer... a não ser orar e pedir a vocês que me ajudem em oração...

Orem pela cura da minha amiga...
        Orem por sabedoria para que eu converse com tantas outras amigas q ainda se recusam em se tratar...
         Orem para que elas sintam o amor de Jesus através do meu toque e carinho...
Só em Deus há justiça, pois ele é justo...
         Só em Deus há renovo, pois ele é repleto de esperança e misericórdia....
          
         Só em Jesus há salvação...



"A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; 
porque quem ama aos outros cumpriu a lei".  Rm 13.8

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Atravessando o oceano

Quênia, 10 de fevereiro de 2011.

 
O amor se torna mais real quando nossas palavras atingem mais do que o plano subjetivo do pensar e falar, e alcança a forma física do agir e fazer...  
Foi assim que senti o verdadeiro amor de Jesus por mim e pela sua obra, através de ações concretas que demandaram tempo, energia, dinheiro, deslocamentos, horas e horas pensando e repensando na qualidade de livros, enciclopédias, livretos, revistas e dicionários a serem enviados para um continente tão carente como o Africano.
É o sentir desse amor de Deus por nós através da vida de outras pessoas (que as vezes nem conhecemos) que faz o evangelho de Cristo se tornar real e significativo. Pois sua vinda, morte e ressurreição veio concretizar a vida coletiva, o pensar no outro mais do que em nós mesmos, o doar, o agradecer, o compartilhar...
E estou aqui, humildemente reconhecendo esse grande amor que vai além de fronteiras, distâncias, línguas, tribos e nações. Que vai além de placas de igrejas, instituições, empresas e órgãos governamentais...
O amor que a população de Mocimboa sentiu, que o Time de missionários em Mocimboa sentiu através do envio de malas e malas repletas de livros e conhecimento a ser repassado... foi real, foi palpável, foi significativo, foi genuíno, foi cristão...
Nomear pessoas, instituições e igrejas não seria justo, pois muitas doações foram anônimas e nunca saberei essas pessoas...
Então meu agradecimento vai para todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para que nossa Biblioteca Karibuni fosse preenchida não só com novos conhecimentos e saberes, mas também com um amor e carinho que veio além mar...
Obrigada, obrigada, obrigada...
Gostaria de abraçar um a um... e peço a Deus que isso ainda me seja possível...
Que Deus os abençoe e continue a tocar os seus corações em abençoar outras tantas Mocimboas por esse mundo a fora...
Com amor, orações, carinho e muito agradecimento.
Ana

 Minha mãe e minha amiga Renata: nossas ajudantes no Brasil






terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Uma visita especial

Pemba, 24 de janeiro de 2011.

Despedidas são sempre tristes quando não se quer separar, quando não se quer despedir, quando se quer continuar com a presença da pessoa...
Me despedir do Rafa foi um processo de lágrimas q rolaram pouco a pouco... um processo de aceitação q iriam com ele somente algumas bagagens minhas, mas não minha presença...
Quem estava voltando para o Brasil era ele e não eu...
         Nossos dias em África foram recheados de sorrisos, de confissões, de gírias e palavreado com um português brasileiro do bom...
          Foi preenchido pela companhia, pela convivência marcada por laços de sangue, por divergência de idéias, por gargalhadas altas e sinceras, por olhares entendidos, por discussões e bravezas comuns àqueles q se chamam irmãos...
          Minha casa se encheu da presença alta dele, do som do tocar de um violão emprestado... onde músicas antigas foram desenterradas, lembranças dos anos de adolescência e infância trazidas à tona: “Satisfação é ter a Cristo...” , “A vitória é daquele q o adorar...” , “Em todo o tempo eu louvarei ao Senhor...” , “Aquele que sonda o meu interior...” ,  “Solta o cabo da nau...”  , “ Na estrada em que eu andei, eu pensei daria certo... pá,pá, pá pá...” , “Há momentos que na vida...”  , “É hora de não olhar pra trás...” , “Entoai saltérios, entoai ó harpas...”,  “Logo de manhã...” , “A vida minha vida, era muito doida...”, “Conheci um grande amigo, ele é filho de Deus Pai...” e muitas outras...
           Esse tempo de cantorias juntos foi o meu favorito... como também o dividir a mesa, ouvir ele me chamando de Tata, andanças de moto, a pé, de barco, de caminhão, no sol, na chuva...  ter notícias políticas e econômicas do meu Brasil brasileiro, notícias de como a Manuela tá se tornando uma menininha adorável e expressiva... e tudo isso sob a perspectiva  dos seus olhos e percepções... ahhh... não teve preço!!!
           Poder compartilhar minha vida, meu dia a dia, meu ministério, minhas alegrias e decepções com alguém que vai entender meu falatório sobre Mocimboa... dividir quarto de hotéis limpos, sujos, assistir filmes, dividir a cia ao ler livros em silêncio mútuo, de bom dias e boas noites...
           Aqui só fica um vácuo... um  saudade doída e apertada... um nó na garganta que não passa... mas uma alegria e satisfação pelo vivido e pelo compartilhado...
            Depois dessa viagem minha relação com meu irmão nunca mais será a mesma... e minha oração é para que continuemos a trilhar nossos caminhos na presença de Jesus, dividindo laços de sangue e carinho, respeitando nossas individualidades, decisões e idéias...
           Amo vc Rafa e obrigada por ter vindo!!!

            Bjos da Tata