segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Churrasco, funeral... Surpresas do dia a dia

Mocimboa da Praia, 26 de outubro de 2009.

 
            O domingo estava a transcorrer como um típico domingo em família como os que tinha aí no Brasil... comida gostosa, cia deliciosa e quitutes sendo preparados.... Almoço todos os domingos na casa da família do meu líder Steve, com batatas fritas envoltas em um omelete e espetos de carne de cabrito. É o único dia da semana que como carne vermelha e estes pequenos pedaços de cabrito tem mesmo gosto de churrasco, graças a Deus!!
            Eu e Jennyfer passamos a tarde com Sharon e sua filha Krista, enquanto os homens e seus filhos foram assistir um importante jogo do Manchester e não sei mais quem... foram em um vizinho que possui gerador, televisão e parabólica... coisa raríssima na Vila de Mocimboa...
            Estávamos a fazer “rolinhos de canela”, uma massa de pão enrolada com margarina, açúcar e canela, quando o guarda de Sharon veio com a notícia... “Nuro morreu”!!! Simplesmente Nuro é o pai de Assanito!! Pai biológico, mas nunca dedicou mais que cinco minutos de sua vida pelo Assanito.
Nuro era um dos comerciantes mais bem sucedidos da Vila de Mocimboa. Era dono de uma ótima loja, tinha muito dinheiro, assim, como muitos filhos espalhados por esta Vila....
            Ágata se envolveu com ele quando tinha apenas 16 anos e ele na faixa dos seus 45... Nunca houve casamento, nunca houve reconhecimento do filho, nunca houve um registro paterno.... nunca houve cuidado, amor, dedicação e agora pai de Assanito está morto...
            Assim que cheguei em casa fui correndo ver minha amiga... a abracei e ela começou a chorar... “Meu filho vai sofrer muito Ana, vai sofrer muito....”
            Na segunda-feira passada Ágata veio com 20 meticais de crédito para ligar para o pai de Assanito... usou meu celular e eu vi nos olhos dela a dor de ser desprezada e por ter um filho que não é reconhecido ou mesmo lembrado pelo próprio pai... Ela repetiu duas vezes quem estava falando, pois ele insistia em não saber quem estava do outro lado da linha....  Ao desligar o telefone me disse que estava muito triste pelo filho, que se ele tivesse saúde, Nuro não iria nunca mais saber do filho, mas que ela precisava da ajuda financeira dele para que a saúde de Assanito tivesse alguma melhora... e agora... Assanito é órfão de pai.... um pai que por vezes bateu em sua mãe pois ela estava a pedir dinheiro pra alimentá-lo...
            Acabei de ir ao funeral, um dos maiores que Mocimboa já teve.... Assim que desci a rua da minha casa me deparei com centenas e centenas de mulheres sentadas em grupos à procura de sombra. Fui acompanhada das minhas vizinhas Ângela, Fátima, Madjuma e Verônica... Ágata se recusou a participar do funeral...
            Sentamos amontoadas com outras mulheres, porém não se via nenhum homem. Todos eles passavam reto para a rua debaixo e comecei a fazer mil perguntas, em português é claro, para Ângela. Ela disse que os homens estavam indo para a rua que dava pra frente da casa, e como estamos no contexto de uma tribo islâmica, a tribo Mwani, não é permitido às mulheres verem a saída do corpo de dentro da casa.... Somente a família vela o corpo e só às mulheres da família é permitida a entrada na casa.
            Continuamos sentadas por quase uma hora quando um homem veio até o nosso imenso grupo de mulheres fazendo um discurso sobre a vida de Nuro, dizendo que o corpo estava sendo levado ao cemitério... disse também que todas eram bem-vindas para o chá a ser servido com pão na manhã seguinte, logo às 6 da manhã....
            Depois deste informe, carros e caminhões começaram a surgir lotados de homens: jovens, velhos e adultos (não se via nenhuma criança, somente as de colo, pois em funeral muçulmano crianças também não tem permissão de participar)... outros tantos à pé... todos em direção ao sepultamento...
            Quando de repente, da direção da casa de Nuro comecei a ouvir gritos e mais gritos de desespero, choros e lágrimas que vinham de mulheres e crianças... nunca tinha ouvido o choro ao vivo de mulheres muçulmanas pelos seus mortos e foram minutos realmente tristes... Quem estava a conversar e a se distrair parou o que estavam fazendo em reverência ao pranto de mulheres que agora se vêem desamparadas  pois, o principal progenitor da família morreu... Mas não sabemos quantas mulheres estavam chorando no mesmo tempo, muito longe dali pois o pai de seus filhos os tinham deixado órfãos.... como Ágata estava a chorar em sua casa pelo pequeno Assanito...
            Assim que sai do funeral passei na casa de minha amiga e no canto de seu olho direito pude ver lágrimas que ainda não tinham rolado pelo seu rosto... ela está desolada, desamparada de ajuda financeira, que mesmo que rara, às vezes chegava até Assanito...
            Peço que continuem a orar por Assanito, pois descobri que a esposa de Nuro tem AIDS, assim, é quase certeza que Nuro também possuía AIDS e agora fico a me perguntar por Assanito e Ágata.... essa nova informação se um dia confirmada explicaria muita coisa na saúde de Assanito...
            Meus dias na África tem sido inesperados, cheios de surpresas tristes e felizes... cheio de desafios para uma mente que às vezes se sente tão limitada em responder a todas as exigências conferidas.... tenho estado exausta... o que é muito bom, pois amo dia cheios.... vou para a cama por volta das 21 pois a maioria das manhãs meus olhos se abrem antes das 6... e todas as manhãs peço a graça de Deus pois não sei quais emoções e acontecimentos estão reservados para aquele dia...
            Mas posso dizer que cada dia mais este chão tem se tornado mais gostoso de ser pisado e tenho realmente curtido os dias que Deus tem me dado aqui.....
            

Bjos pra todos...
Ana

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Pessoas estranhas, hoje são minhas amigas

Mocimboa da Praia, 18 de outubro de 2009.
 
 
Ontem me dei conta de como gosto de minha nova amiga Ágata...
Ela viajou e passou duas semanas fora e quando voltou corremos e nos abraçamos... Me dei conta o quanto sento sua falta e o quanto estava preocupada com ela...
Ágata é uma menina sorridente, bonita, alegre, 19 anos, mãe solteira do Assanito... um menino de 2 anos, mal nutrido, que não anda muito pois suas perninhas são muito fracas... é magrinho e tem aquela barriga grande saliente. Sofre do que Ágata pensa ser asma... é uma tosse cm catarro que não passa desde que cheguei aqui, há quase 4 meses atrás...
Ela como uma mãe que ama muito seu filho, tem gastado o pouco dinheiro que tem tentando achar a cura e restabelecimento da saúde de seu filho, mas suas jornadas a diferentes hospitais tem sido em vão.
Nesta última viagem foi à casa de uma tia emprestar dinheiro pra tentar ir à Tanzânia num hospital. Não consenguiu o dinheiro, mas aproveitou para ir a um diferente de curandeiro.... Neste curandeiro muitas coisas espirituais aconteceram, inclusive foi mostrado a ela um espelho e neste foi refletido a imagem de uma suposta mulher vestida de preto dando medicamentos ao seu filho para que este perca sua vida...
Ela me disse: “Ana como eu queria ter tirado uma foto daquele espelho pra vc ver! Eu via a mulher Ana, eu a vi e comecei a chorar na mesma hora pela vida do meu filho!!!”.
Eu disse a ela que meu Deus é Grande, que é maior do que qualquer feitiço ou poção... que Ele pode todas as coisas inclusive curar o Assanito e ela me disse: “Eu sabia que quando eu voltasse pra casa vc ia me ajudar, pois toda vez que vc faz sua oração meu filho dorme melhor”. E eu, com a minha fé Naquele que pode todas as coisas, orei ali mesmo, na rua pelo Assanito. Orei com toda a fé que eu possuía naquela noite.
Orei para que Deus curasse o Assanito, pois ele está desfalecendo, simplesmente morrendo à olhos nus... Voltou desse curandeiro pior do que ele estava... mais magro, mais triste, mais debilitado... Ele come o mesmo que as crianças daqui comem: uma alimentação sem nutrientes, sem temperos, sem sabor, sem proteínas, vitaminas... mas as outras crianças sobrevivem... mas Assanito não... está cada dia pior...
Assim, vim pra casa e só consegui chorar com minha amiga Jennifer... chorar por perceber o mundo espiritual envolvido na vida dos meus vizinhos, que tem se tornado cada dia mais parte do meu coração, que têm sido  minha companhia e minha família..... e como dói ter as mãos atadas para uma solução eficaz e rápida...
Mas essa situação me ensinou que numa terra onde os médios são escassos, onde o sistema de saúde é quase inexistente, eu posso recorrer ao Médico dos Médicos.... e foi a Ele que eu e Jenny recorremos...
Com orações vindas de bocas de missionárias no começo de sua caminhada servindo à Deus, inexperientes, inseguras muitas vezes, foi nesse espírito de contrição de que nada sabemos e que nada podemos fazer sem a Graça Daquele que nos chamou... foi nesse espírito que oramos, para que Deus fortaleça a nossa vida, nos cubra de sabedoria, intrepidez e uma fé mais madura e uma fé que realmente acredita na cura, no mover de montanhas, uma fé constante... uma  fé como a de Pedro, Paulo, João....

Termino esse blog com as palavras de uma missionária que ouvi há um tempo atrás... “e essas pessoas que antes eram estranhas a mim, hj são minhas amigas, hj fazem parte da minha mesa, do meu viver..."

E é assim, que me sinto, com o coração movido pelos meus vizinhos... pois já não há mais sentimento de estranhamento mas sim de reconhecimento... os amo, os amo mesmo... e oro para que a vida deles seja inundada do mesmo amor que a minha é.. o amor do meu Salvador... do meu Jesus.....
Termino com sincera oração pela saúde do Assani... pra que suas perninhas sejam fortalecidas, pra que seu pulmão seja limpo, pra que seu olhar triste seja transformado num olhar alegre e saudável... e para que todo espírito de feitiçaria e doença sejam tirados da sua vidinha....
 
Estejam orando por ele e por todos os meus vizinhos...

Obrigada,
Bjos

Ana 
 




Eu e Assani


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Lar, doce lar

Mocimboa da Praia, 14 de outubro de 2009.

Oi gente!!
Faz onze dias que não escrevo aqui!!! 
É que realmente os dias tem sido corridos e cheios de tarefas a cumprir, o que me deixa muito feliz, pois adoro dias cheios, corridos, com atividades e afazeres...

Novidades desses últimos dias:
  • Como primeiro acontecimento não posso deixar de contar que minha nova amiga Ângela, uma mulher casada, de 32 anos, dois filhos e moçambicana, aceitou a Jesus na semana passada!!!! A conheci na frete da minha casa, ela não é mwani e começou a conversar em português comigo. Logo me convidou para ir em sua casa, me contou seus problemas, chorou, abriu seu coração, oramos juntas, ela foi na Igreja... Continuei a visitá-la constantemente. Falei sobre o plano de Jesus de salvar a todos e ela quis entregar seu coração na mesma hora a Jesus... Tem sido uma benção nossa convivência... Temos lido a bíblia juntas e orado juntas. Orem por ela e por seu casamento!!! Meu primeiro fruto na África!!!
  • Aprendi a pilar amendoim e mandioca seca... e como tarefa lingüística cumpri esta atividade repetindo: “Omi kufunbula mangaga” – Eu estou a pilar mandioca. Foi uma tarde super diferente, cheia de risos das crianças e da minha vizinha, que se deliciaram comigo e com a Jennifer tentando realizar uma atividade tão comum e tão simples para todos eles...
  • Apresentei juntamente com os jovens da Igreja uma música em português. Ensinei a eles: “Esse é o dia, que o Senhor fez, me alegrarei e celebrarei...” Foi uma benção. Dançamos e cantamos como uma típica igreja africana!!!
  • Preguei na Igreja no domingo passado e foi uma benção. Falei da importância e do chamado de Jesus a todos sermos proclamadores do seu evangelho e do chamado a todos a se tronarem missionários no contexto em que vivem...

Acho que foi isso... 

Eu e Jennifer estamos nos preparando para receber todos do nosso Time amanhã aqui em casa. Farei strogonoff de frango com creme de leite Nestlé e Jenny preparou cookies de chocolate... Será uma delícia receber as pessoas na minha casa... pra quem me conhece sabe o quanto amo cozinhar e receber as pessoas em minha mesa... Assim, estão todos convidados pra virem a qualquer hora!!!

Beijos a todos... com menos saudade do que de costume... pois Mocimboa tem se tornado meu lar...

Com carinho,
Ana 


Eu e Jenny "pilando"

terça-feira, 6 de outubro de 2009

"Nankusindjá uni"

Mocimboa da Praia, 03 de outubro de 2009.


Como de costume o dia começou cedo...
Eu e Jennifer acordamos às 05:30 da manhã para acompanhar nossa vizinha Fátima e sua filha Ntôto na “Massamba” – nome designado ao lugar das plantações, ou para o tempo de seca, que é o qual estamos passando, para buscar lenha.

Andamos até a beira da praia e encontramos um barco nos esperando. Tivemos que arregaçar nossas capulanas, tirar nossas sandálias e andar mar adentro até chegarmos ao nosso meio de transporte.

O barco estava cheio de homens, mulheres e algumas crianças, e a travessia para a ilha de “Mocimboa Velha” (é assim que chamam esta ilha) levou uns 15 minutos. Um senhor ficou sabendo que queríamos conhecer o local e veio gentilmente ser nosso guia turístico. Falou com orgulho da terra a qual pertence a sua plantação e no final do nosso passeio fez questão que eu tirasse uma foto dele e de sua esposa. 
Ajudamos a cortar lenha – tarefa muito penosa por sinal, pois, por mais que eu tenha tentado, aquele pedaço de madeira não se partiu por nada nesse mundo. Logo veio Fátima e em menos de 10 machadadas aquele pedaço de madeira se partiu com facilidade.

Semana passada tivemos um curso lingüístico (LAMP – Language Acquisition Made Practical). Foi um tempo muito produtivo e resumindo: aprenderemos mais facilmente a língua quanto mais nos embrenharmos no dia a dia, nos afazeres e na cultural local. Temos que aprender uma frase complexa por dia e falar esta frase para pessoas desconhecidas na vizinhança, assim, sem que ao menos percebamos, começamos a desenrolar a língua e falar kmwani. As vezes é bem difícil, pois por mais que repitamos a frase 20 vezes, esquecemos a estrutura da frase ou a fonética da palavra....
Assim, enquanto cortava aquele pedaço de lenha ia repetindo: “Nankusindjá uni” – “Estou a cortar lenha” e aprendi outras palavras como barco: ingaláu, vela: tanga e praia: muáni. 

Acabando de cortar lenha, Fátima nos deu nossos respectivos pedaços de madeira para ajudarmos a carregar. Tirei minha capulana, atei na minha cabeça e começamos a trajetória de volta. Entramos no mar segurando nossas sandálias, nosso pedaço de madeira e, é claro, as nossas saias... risos... foi ótimo!!!

Só consigo pensar o quanto é dificultoso para as pessoas terem fogo para cozinhar, água para beber... tudo tem q  ser buscado, carregado e este processo leva muito mais tempo do que nossa mente capitalista e imediatista pode suportar. Não que as pessoas da cidade não trabalhem duro para aquisição de eletricidade, comida e água, mas a ótica de tempo, espaço e trabalho é muito diferente numa vila rural.

Na quinta-feira, dia 01 de setembro, fui no “Embebébe”, local onde as mulheres lavam roupas, mas essa atividade veio de surpresa e não levei minha câmera fotográfica comigo. Uma pena!!! Andei por 40 minutos com minha amiga Ágata, passamos por um mangue e chegamos num descampado onde se encontra duas pequenas poças de água doce. Uma das poças é usada para lavar roupa e a outra para beber: a água é cinza e opaca, mas ainda sim, é doce. Durante o caminho aprendi: “Nankulude Kukufula Embebébe” (Estou vindo de lavar roupa no Embebébe). Não sei se meu português está correto, mas tenho aprendido kmwani, falado português com alguns moçambicanos e vivido meu dia a dia com o inglês... tem hora que minha cabeça dá um pane... rss... Estou acostumando a usar blusa vermelha, com capulana de flores roxas e ficar com o pé preto... rsss... isso pra quem realmente me conhece é um progresso e tanto!!! rss... A beleza tem outros valores e modos de se apresentar e tem sido ótimo entender e viver esses diferentes tipos de belezas...

É isso gente... minha semana foi cheia de experiências novas e únicas, e isso é benção de Deus, pois a Ele tenho entregado os meus dias aqui em Mocimboa...

Ahhh... e amanhã levarei minha primeira visita na Igreja!!! Ela não é mwani, só fala português e seu nome é Ângela. Comecei a orar com as minhas vizinhas... já oramos três vezes juntas, glórias a Deus!!!

Saudades de todos!!! 
Beijos 
Ana