segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Num processo de transformação

29/08/09

É estranho como o sentimento de pertencimento a um lugar não é constante, mas é gradativo e diferente a cada dia...

Hoje sentei no quintal da minha vizinha, segurei seu nenê de três meses, treinei meu kimwani e me senti muito feliz.

E já em outros dias me fecho em casa, com meus pensamentos limitados, com a saudade de tudo que está longe, com minha mente presa em algum lugar que não sei onde é, lutando para não pertencer, lutando para continuar a sentir falta, lutando para que seja valorizado tudo o que não está no alcance...

Quando me encontro em diferentes quintais, escutando uma língua que não é a minha, vendo mulheres cozinhando em seus “fogões” alimentados por pedaços de madeira e cascas de coco, vendo crianças comendo manga verde e brincando sentadas com seus bumbuns descobertos na terra, quando isso acontece, todo sentimento de estranheza e de não pertencimento vão embora... e uma paz e alegria tomam conta do meu coração, misturados com um profundo amor por essas pessoas que estou aprendendo a conviver e amar...

Conviver com culturas diferentes nos coloca a prova a todo momento. A todo momento somos testados: nossos valores, crenças, costumes, tradições, linguajar... Conviver com o outro faz com que olhemos para nós mesmos, faz com que nos questionemos mais, nos avaliemos mais, reflitamos mais... e esse processo de reflexão não é sentido sem dor ou pesares... às vezes é realmente um “saco” esse processo de avaliação e mudança... o processo de se cobrir com capulanas quando tem de sair à porta da sua casa, a preocupação se seus vizinhos estão olhando pela sua janela sua saia que não vai até os pés, mas sim até os joelhos...

Quando o “outro” é uma idéia distante, tudo é lindo e idealizado, mas quando o “outro” se torna parte do seu cotidiano e rotina, a ótica muda, pois sem perceber vc vai se transformando, moldando e se adequando até que vc se veja como o outro em muitas ações do dia a dia... e um dia não haverá mais o outro, e sim nós....

Estou nesse processo de transformação, de me moldar e me adequar... não sei se esse processo terminará em dois anos, mas que estou animada pra que o outro seja influenciado pela luz de Jesus, isso eu estou!! E animada para que o outro seja cada vez mais visto e reconhecido em mim....


Eu e as crianças da escola: nunca o "outro" foi tão próximo


sábado, 22 de agosto de 2009

Velório, peixe fresco e saudades do Sococo


Mocimboa da Praia, 22 de agosto de 2009.

Quase um mês de Mocimboa da Praia!!! Como o tempo está passando voando!!!

Mocimboa tem se tornado minha cidade, ou melhor, minha vila...

- já estou familiarizada com as ruas, sejam elas de terra, sejam asfaltadas, estou mais familiarizada com meus vizinhos, com os mercados e com os bairros onde meus amigos de Time moram....

- já não estou chorando!!! Pois nos primeiros dez dias chorei todos os dias... rsss.... mas foi só um momento de adaptação...

- Comecei a trabalhar em nossa pré-escola toda segunda e quarta de manhã. Nosso Time tem um espaço de convivência chamado “Centro de Tumaini”, que significa Esperança em Kimwani. É um espaço usado para prática de esportes, reuniões diversas e ensino de crianças mwanis de 3,4 e 5 anos. Estou ensinando português e ajudando as outras professoras. Estou muito animada e com mil idéias...

- Meu Time tem se tornado uma família pra mim... nossa convivência tem sido uma benção... e Deus tem sido maravilhoso para comigo... realizado milagres nos mínimos detalhes dos meus dias aqui... Glórias para sempre ao Cordeiro de Deus!!!

- Fui pela primeira vez a um velório... uma menina de 16 anos morreu de malária... Entrei no quarto iluminado por velas, incenso... as mulheres estavam sentadas no chão, em silencio, em volta da cama onde estava o corpo desta menina.... totalmente coberto por lençóis... Depois sentamos no chão no lado de fora da casa e ficamos conversando com outras vizinhas... Do lado de fora as mulheres conversavam normalmente, ria, dançavam, batiam palmas... lembrei dos velórios no Brasil, onde encontramos pessoas ou nós mesmos muitas vezes rindo do lado de fora... .. simplesmente convivendo e fazendo parte deste momento...

- Fiz um bolo de chocolate para comer com as minhas vizinhas... foi uma delícia!! Elas amaram... Estejam orando por elas... Minha melhor amiga é a Ágata, está do meu lado com seu filho Assanito no colo (de camiseta cor de rosa). E neste encontro percebi o quanto é importante o uso de lenços na cabeça... Elas disseram que agora sim eu estava bonita e me parecendo mais com elas (eu me acho horrível, mas aqui estética está fora de cogitação, graças a Deus!!! Como é interessante este processo de associação com o vestuário... é importante que eu fale a língua delas, mas tb é muito importante que eu me vista como elas, para que elas sintam que respeito e aprecio sua cultura e formas de vivência;

- Essa semana limpei meu primeiro peixe... fui à praia, negociei o preço, comprei o peixe fresco, cheguei em casa, limpei e cozinhei... Não sei se quero continuar fazendo isso... rss... foi meio nojento... mas para uma primeira experiência está valendo!!

- Ralei meu primeiro côco... o abri com uma “catana”, um facão enorme, sentei no “Mbuzi” (ralador em Kimwani) e deu certo!!!

Só consigo pensar que somos capazes de mudar nossos hábitos, como minha tia Samara diz, somos “adaptáveis”... Um dia voltarei a comprar côco ralado “SÓcoco” no Supermercado Tauste (meu supermercado preferido), mas jamais esquecerei que é possível comer côco sem que ele esteja pronto em um saquinho, andar sempre a pé, viver sem geladeira, sem TV e ser muito feliz...


Primeiro Bolo com minhas vizinhas



Minhas outras vizinhas Fátima, sua filha Fatinha e Majuama



Eu ralando côco no Mbuzi


Vejam essas e outras fotos minhas aqui

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Minha nova vida em Mocímboa da Praia



frente da nossa casa



parte da trás



novo guarda-roupa



Um pouco de proteção contra os bichos



eu e meu amigo lap top debaixo do mosquiteiro gigante



Nosso team aqui de Mocímboa. Orem por nós!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Casa nova: ratos, cupins e uma barata

Mocímboa da Praia, 03 de agosto de 2009


Hoje não sei como começar escrevendo nesse blog.... são tantos sentimentos que não sei se conseguirei expressar... é um misto de “estranheza”, de tristeza, de felicidade, de receio.... vou explicar o porque destas palavras.

Para chegar aqui meu coração fez mil planos, mil idéias da minha nova casa e do meu novo lar e também do povo pelo qual irei trabalhar.....


Mocímboa é uma cidade litorânea, com mais ou menos 60 mil habitantes, não tem energia elétrica, água encanada, tratamento de esgoto e só temos algumas ruas asfaltadas, assim as casas são em ruas de terra, tipo aldeias... raras casas são de tijolos e a maioria dão de barro e bambu...


Ao entrarmos na nossa nova casa, eu e Jennifer fomos recebidas com um vasinho de flor, novas capulanas (tipo cangas que as mulheres aqui usam como saia) e cartões de boas vindas. Temos água encanada, coisa rara aqui também... Ela estava toda animada, vibrando e eu estava me esforçando pra não chorar... juntou minha TPM com toda essa mudança..... eu entrei no meu novo quarto, sentei na cama, orei e chorei...

Organizei meu quarto e quando estava indo à cozinha escutei um barulho e vi um rato andando na madeira do telhado (minha casa não tem forro). Aiii que nojo e que medo!!! Deitei com meu mosquiteiro e comecei a escutar um barulhinho estranho... quando olho pra cima (meu quarto tb não tinha forro até esta fatídica noite, pois eu pedi pra colocarem e ele está sendo feito) vi a madeira sendo triturada por cupins... como esse barulho me incomodou, mas peguei no sono... acordei mil vezes a noite com medo do rato e ouvindo ele andar pelas madeiras..... e os cupins continuaram sua comilança... Quando acordei levantei e o que tinha embaixo de mim? Uma barata!!!! Dá pra acreditar?? Fiquei acabada... logo barata que eu morro de medo e nojo... ela estava bem embaixo de mim...

Passei o dia todo me controlando para não chorar, para ficar bem, mas no fim do dia minha mãe me ligou e eu me acabei de chorar... Não estou sendo nojenta, nem fresca, só estou admitindo que viver de uma forma totalmente diferente da que estamos acostumados não é coisa tão fácil assim, ainda mais quando sabemos que este será nosso novo lar por um longo tempo...
Conversei com minha líder, ela me consolou dizendo que passou e ainda passa por essas dificuldades e me encorajou a sentir sem medo ou receios tudo o que estou sentindo... Conviver com esses bichos será uma tarefa que terei que aprender dia a dia aqui, pois agora mesmo, acabamos de encontrar uma aranha enorme... a matamos com muito baygon... colocamos no lixo e voltamos a digitar... e assim mais um dia está quase acabando....

Mas hoje já é dia 04... não consegui terminar ontem.... e as misericórdias do Senhor se renovam a cada novo dia... ele ouve nossas orações e faz milagres:


* hj acordei me sentindo outra pessoa, mais confiante, feliz e tranqüila;
*
matamos nosso primeiro rato com veneno... fizemos uma mistura de veneno, maisena e farinha. Encontramos ele mortinho no meio da cozinha... E esperamos que outros morram amanhã...

* almocei com uma família africana do nosso Time e aprendi a fazer uma nova receita de pão. Amassamos o pão sentadas no chão, em cima de uma esteira e assamos num “fogão” de chão movido a carvão... em 10 minutos o pão estava pronto!!! Uma delicia!!!

* aprendi a ralar coco em fruta com um instrumento africano;

* ganhei um forro para o meu quarto!!! A maior benção de todas... agora estou mais segura de certo insetos e bichos estranhos...

* aprendi minhas primeiras palavras em kimwani ( a língua que aprenderei para me comunicar com o povo mwuni);


Só consigo pensar o quanto Deus é fiel e cuida de nós... todos temos dificuldades no nosso dia a dia... mas Deus é misericordioso, bondoso, nos ama e cuida dos detalhes das nossas vidas... que tenhamos nossa perseverança, fé e esperança renovadas Naquele que deu sua vida por nós...